Sobre histórias de fadas

 Olá, viajantes!

Hoje vou fazer um resgate. Deixo aqui o texto que escrevi para o saudoso blog da editora WMF Martins Fontes sobre um livro queridíssimo do J. R. R. Tolkien: Árvore e Folha, hoje publicado pela Harper Collins Brasil. Nomeei o post com o título da edição anterior à da WMF, da Conrad. São as duas edições que tenho.

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Árvore e folha é um material precioso, e não só para os amantes de J. R. R. Tolkien, principalmente porque sua maior parte é composta de um ensaio incisivo sobre os contos de fadas. Nele, Tolkien discute a natureza dos contos de fadas, suas origens e sua utilidade, expressando em minúcias sua opinião sobre para quem se dirigem tais histórias.

O que são contos de fadas? Qual é sua origem? Qual sua utilidade? Essas são as perguntas que o professor tenta responder no ensaio Sobre contos de fadas, e, ao fazê-lo, Tolkien questiona a própria definição do termo “conto de fada”, o que são as fadas (ou elfos), o que se encaixa dentro do gênero e o que ficaria de fora (ele exclui todas as fábulas de animais e Alice no país das maravilhas, por exemplo). E, principalmente, questiona o direcionamento dos contos de fadas exclusivamente para crianças.

Tolkien é, por vezes, deveras rígido em suas opiniões, mas sua visão do Reino Encantado (Faerie), perigoso e traiçoeiro, e de que os contos de fadas são quase sempre, na verdade, histórias de seres humanos que entram em contato com esse encantamento, parece-me mais acertada do que muitas das definições de contos de fadas que existem por aí. As histórias de fadas não são, na maioria das vezes, sobre fadas.

Ao discorrer sobre a origem do elemento fantástico, passando pelas figuras mitológicas e de contos de fadas, Tolkien ilustra de maneira excepcional a falta de conclusão palpável sobre tal origem. Utilizando-se da fala de Dasent, ele cria a noção da Panela de Sopa, do Caldeirão da História, que sempre esteve fervilhando e, ao longo do tempo, foi sendo engrossado com novos fatos, novas personagens, detalhes e pequenas mudanças incorporadas na mistura formada pela contação de histórias através das eras até hoje.

A parte mais interessante, porém, e sobre a qual Tolkien se debruça com mais afinco, é o tópico da utilidade do conto de fadas. Ele descreve no ensaio o que anos depois o psicólogo Bruno Bettleheim chamou de “facetas que são necessárias num bom conto de fadas”: fantasia, recuperação, escape e consolo.

Bettleheim se utilizou desses conceitos em seus estudos para analisar os efeitos dos contos de fadas em crianças mas, em Sobre contos de fadas, Tolkien enfatiza a importância dessas facetas não na infância, e sim na fase adulta. A apropriação das ideias de Tolkien feitas por Bettleheim parece até irônica, já que ele as aplicou em relação a crianças, quando Tolkien procura estabelecer justamente o oposto: contos de fadas são mais necessários aos adultos.

Tolkien afirma que a crença no Mundo Secundário (aquele no qual imergimos ao ler um livro, assistir a um filme etc.) não é exclusividade das crianças: “Uma criança pode muito bem acreditar num relato de que existem ogros no condado vizinho; muitos adultos acham isso fácil de acreditar com respeito a outro país; e, quanto a outro planeta, muito poucos adultos parecem capazes de imaginá-lo povoado, se é que povoado, por algo que não sejam monstros perversos.”

E reitera, ao explicar uma por uma as facetas propostas, que, além do valor literário de um conto de fadas bem escrito, a fantasia, recuperação, escape e consolo que tais histórias oferecem são de serventia maior aos mais velhos do que às crianças.

O conto que segue o ensaio, Folha, de Migalha, é uma ilustração do que Tolkien dissertou e opinou sobre em Sobre contos de fadas, e é uma belíssima história sobre a jornada de um artista pelo Mundo Encantado.

Eu poderia explicar detalhadamente os porquês da afirmação de Tolkien sobre a importância dos contos de fadas para os adultos, mas acho melhor deixar que ele mesmo explique. Eu não convenceria ninguém, mas ele, com certeza, pode.

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Até a próxima!

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