Elementos dos mangás
Olá, viajantes!
Hoje vou deixar aqui mais um trechinho resumido da minha dissertação, sobre os elementos que compõem os mangás. Os quadrinhos japoneses, além de apresentarem os elementos narrativos e de histórias em quadrinhos, possuem suas próprias peculiaridades narrativas e visuais.
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A ordem de leitura nos quadrinhos acompanha geralmente a ordem de leitura da escrita. Nos quadrinhos ocidentais, a leitura é feita da esquerda para a direita e de cima para baixo. No oriente, é feita da direita para a esquerda e de cima para baixo. É como um zigue zague que começa pela esquerda no ocidente e pela direita no oriente.
Embora exista uma sequência geral para o mangá (da direita para a esquerda e de cima para baixo), o mangá shōjo introduziu uma flexibilidade e subjetividade na ordem de leitura dos balões e requadros de imagens dentro de sua narrativa, de forma que eles podem ser lidos em diversas ordens sem interferir no entendimento da página.
Os campos onde são inseridos os diálogos entre as personagens são chamados balões de diálogo (BUSCEMA e LEE, 2014). O balão tradicional tem formato ovalado, horizontalmente nos quadrinhos ocidentais e verticalmente nos orientais, para acomodar a ordem da escrita, e possuem seta indicativa apontando para a personagem que está falando.
Os balões onde são inseridos os pensamentos das personagens são chamados de balões de pensamento (BUSCEMA e LEE, 2014). No mangá, as bolhas que apontam para a personagem que pensa muitas vezes não aparecem e é apenas pelo contexto visual e escrito que o leitor reconhece quem é o dono dos pensamentos inseridos neles.
As onomatopeias são, de acordo com as várias definições reunidas por Naumin Aizen (1977), palavras ou conjuntos de fonemas que imitam sons de qualquer natureza. No Japão, as onomatopeias são classificadas em dois grupos: giseigo, ou onomatopeia de voz, que são as palavras que imitam vozes humanas e de animais (にゃん / nyan para o som da voz do gato); e giongo, ou onomatopeia de som, que são as palavras que imitam sons de objetos e da natureza (ザアアア / zaaaa para vento, chuva ou água corrente. Adicionalmente, existem duas categorias de palavras miméticas, que não imitam som, mas expressam em palavras coisas silenciosas: gitaigo, mimese de estado e condição, que são as palavras que expressam estado, mudança e movimento de seres animados e inanimados (もくもく / moku moku para fumaça se expandindo no céu); e gijongo, mimese de emoção, que são as que expressam sentimentos humanos (くさくさ / kusa kusa para o sentimento de depressão por causa de algo desagradável) (LUYTEN, 2001-2002).
Os requadros sangrados, que extrapolam a margem da página, fazem com que o tempo deixe de estar contido dentro de um requadro definido pelas quatro linhas do retângulo, e escapa para o espaço infinito. Um quadro de conteúdo mudo e sem indicação de duração, que já passa uma sensação atemporal, estando sangrado, tem esse efeito composto. “Essa técnica, usada com frequência no Japão, só recentemente foi adotada no ocidente” (MCCLOUD, 1995, p. 103).
A produção em preto e branco dos mangás deu grande espaço às hachuras, que imprimem movimento às imagens, e às retículas, que imprimem texturas e sombras, enriquecendo as obras e se tornando um dos pontos-chave para a diferenciação de gêneros e estilos nos mangás.
Eisner (1999, p. 46) afirma também que “o propósito do requadro não é tanto estabelecer um palco, mas antes aumentar o envolvimento do leitor com a narrativa”. No mangá shōjo isso se expande de tal forma que se é totalmente imerso nos pensamentos e emoções das personagens, com a construção de requadros sobrepostos, até mesmo numa mesma imagem que ultrapassa as linhas do quadro, transbordando os sentimentos da personagem.
O Ma é um elemento específico da cultura japonesa e permeia todas as instâncias da vida do indivíduo japonês. Sob sua luz, o vazio, que no pensamento ocidental implica na ausência de matéria, significado ou valor, é visto como carregado de significado, pois se existe o nada, o nada é algo. O vazio é o espaço que algo deixou ao partir e a possibilidade de algo a seguir, e o silêncio está entre um som que se foi e o outro que virá. A noção de uma espacialidade Ma é imprescindível para entender a construção de cenas nos mangás, principalmente o shōjo, já que ela “pressupõe uma montagem, que pode se manifestar como intervalo, passagem, pausa, não ação, silêncio etc” (OKANO, 2012, 26), e o mangá shōjo se utiliza desse recurso para, por exemplo, expressar e ampliar emoções não ditas pelas personagens, muitas vezes se juntando aos requadros sangrados para transbordar sentimentos e possibilidades em uma única cena.
A perspectiva no mangá shōjo é muito utilizada para ilustrar vários estados emocionais, que é uma das funções descritas por Eisner (1999) para esta técnica, e os ângulos variados e por muitas vezes inusitados podem evocar sentimentos muito específicos em quem lê.
Postura do corpo e expressão facial são elementos cruciais nos quadrinhos, e seu emprego conjunto bem utilizado é essencial para a narrativa. No mangá shōjo, além dos ângulos utilizados no requadros, a postura e expressão facial das personagens têm papel fundamental para a identificação e imersão do leitor com os conflitos internos e externos vividos pelas personagens.
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Esses elementos particulares são apenas alguns que dão forma ao mangá, principalmente o shōjo, que é o foco da minha dissertação. Quem quiser dar uma olhada nela, está aqui.
Até a próxima!
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